Teletrabalho e outros regimes flexíveis de atuação: tendências, desafios, riscos e vantagens para a administração pública
Teletrabalho, trabalho remoto, home-office ou trabalho flexível representam regimes diferenciados de atuação profissional tanto na iniciativa privada como no setor público. Há uma razão clara para isso: novas formas de interagir socialmente, de se comunicar virtualmente, de trocar arquivos em nuvem ou em outros meios permitem e impulsionam novos costumes, formas de agir e de se relacionar em um mundo globalizado e cada vez mais parecido entre fronteiras. Há muito que a distância física e a diferença de fuso horário não são mais problemas para equipes colaborativas. E o serviço público precisa se adaptar mais rapidamente a essa nova realidade.
Será discutido, aqui, o cenário do teletrabalho e suas variações (trabalho remoto, home-office ou trabalho flexível), as vantagens, riscos e aprendizados vivenciados em organizações públicas no Brasil e afora. Ao final, sugerimos o que podem ser perspectivas de um futuro próximo.
Quando surgiu o teletrabalho e o como se configura hoje em dia?
Muitos afirmam que o teletrabalho surgiu na década de 1970, quando o antigo pesquisador da NASA, Jack Nilles, publicou um paper onde cunhou o termo telecommuting: “mover parte ou a totalidade do trabalho para fora do escritório, para casa ou um centro de teletrabalho”. Entretanto, o teletrabalho surgiu muito antes disso.
Em 1857, no estado da Pensilvânia – EUA, surgiu o primeiro caso de trabalho remoto. Por meio da telegrafia, o senhor J. Edgar Thompson, proprietário de uma linha de ferro, administrava suas unidades remotamente por meio do telégrafo, exercendo a gestão e o controle de recursos e mão de obra à distância. A partir daí, o teletrabalho evoluiu de diversas formas.
Na década de 1980, o Toyotismo pregava o conceito de evitar o desperdício de produção, refletido também no desperdício do trabalho do funcionário, em um movimento de globalização que se iniciava. Aos poucos, o teletrabalho começou a ganhar força já que, trabalhando remotamente em algumas funções, os funcionários não desperdiçariam tempo com transporte no trajeto residência – sede da empresa, não desperdiçariam dinheiro (gasolina, transporte público, alimentação) e reduziriam o uso de infraestrutura da organização, diminuindo uma grande parcela de gastos com o ambiente de trabalho.
Segundo a OIT
Hoje em dia, os termos teletrabalho, trabalho remoto e home-office são utilizados de forma intercambiável. A Organização Internacional do Trabalho – OIT define o teletrabalho como “a forma de trabalho realizada a partir de um lugar distante da empresa ou estabelecimento, que permite a separação física entre o local de produção ou de execução da prestação de trabalho e o local onde funciona a empresa, mediante recurso de tecnologias que facilitam a informação e a comunicação”.
Segundo a ANAMATRA
Já a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA conceitua como “forma de trabalho realizada à distância (fora da sede da organização) ou em domicílio, de maneira integral ou periódica, por meio de tecnologias de comunicação e equipamentos pertinentes à atividade (internet, smartphones, laptops, tablets etc)”. Além de inserir exemplos de equipamentos utilizados atualmente para a comunicação no trabalho, essa segunda definição já traz noções do trabalho flexível, admitindo configurações combinadas entre o remoto e o presencial, como será abordado mais à frente.
Para todos os fins, aqui, será utilizado o termo genérico trabalho remoto para englobar todas as suas variações.
Como se encontra o trabalho remoto no setor público mundo afora?
No setor público de diversos países, o trabalho remoto já avançou muito. Nos Estados Unidos, por exemplo, a administração Obama lançou em 2010 o Teleworking Enhancement Act, com incentivo obrigatório do uso do trabalho remoto em todos os órgãos federais. Trata-se de um regime de trabalho flexível, no qual o servidor realiza seu trabalho em um local previamente aprovado, podendo comparecer à sede do órgão ou agência governamental sempre que necessário.
A condição para o ingresso no teletrabalho é de que o servidor mantenha ou aumente seu desempenho conforme critérios pré-estabelecidos, sendo obrigatório tanto um acordo de trabalho com seu gerente, contendo as metas a atingir, como o treinamento prévio sobre esse regime de atuação. Nesse modelo, o servidor precisa cumprir os requisitos mínimos de segurança da informação e deve manter-se disponível no sistema informatizado onde executa seu trabalho para comunicar-se com o gestor, prioritariamente pelo chat.
Um relatório sobre o status do teletrabalho no serviço público federal americano publicado em 2017 demonstra como diversos frutos vem sendo colhidos em termos de retenção de talentos e redução de custos:
Órgão / Agência Pública | Área(s) de economia de custos | Valor(es) informado(s) |
Access Board | Retenção de funcionários / utilitários / redução de ausências de funcionários / custos de trânsito | USD$ 30,000 |
Agency for International Development | Espaço de escritório / sistemas de TI / ganhos em transporte | USD$ 495,000 |
Appraisal Subcommittee of the Federal Financial Institutions Examination Council | Custos de subsídio de transporte | – |
Consumer Financial Protection Bureau | Custos de subsídio de transporte | USD$ 277,728 |
Court Services and Offender Supervision Agency | Custos de transporte do servidor | USD$ 617,589 |
Department of Education | Aluguel / Espaço de escritório | USD$ 6.22 mil |
Department of Homeland Security | Aluguel | USD$ 6.71 mil |
Department of Justice | Aluguel / Espaço de escritórioRecrutamento / custos salariais | USD$ 3.1 milUSD$ 20,000 |
Department of the Treasury | Aluguel / Espaço de escritório | USD$ 101,059 |
Federal Deposit Insurance Corporation | Aluguel / Espaço de escritório | – |
Federal Mediation and Conciliation Service | Redução de absenteísmo | – |
General Services Administration | Aluguel / Espaço de escritórioCustos de energia | USD$ 24.6 milUSD$ 6 mil |
Institute of Museum and Library Services | Aluguel / Espaço de escritório | USD$ 75,000 |
Marine Mammal Commission | Recrutamento | USD$ 3,000 |
Millennium Challenge Corporation | Aluguel / Espaço de escritório | – |
National Aeronautics and Space Administration | Custos de utilidades | USD$ 85,000 |
National Council on Disability | Custos de subsídio de transporteMaterial de expediente
Recrutamento |
USD$ 5,925–
– |
National Labor Relations Board | Custos de subsídio de transporte | USD$ 1,681 |
Extrato do relatório de redução de custos oriundo da implantação do trabalho remoto em agências do governo norte-americano. Fonte: The United States Office of Personnel Management, 2017.
Percebe-se que continuam avançando em relação ao teletrabalho como uma realidade consolidada e crescente, seja em termos de satisfação dos servidores, seja quanto à redução de custos de aluguel, energia e transportes.
Na Austrália
No serviço público Australiano, por sua vez, o Primeiro Ministro realizou em 2012 a primeira Semana Nacional do Teletrabalho (National Telework Week), na qual definiram a meta de triplicar a quantidade atual (6.500) de trabalhadores remotos até 2020, representando um total de 12% de sua força de trabalho (20.000 servidores). Um dos objetivos é reduzir o trânsito nos horários de pico nas grandes cidades, otimizar o tempo e a qualidade de vida dos servidores e reduzir as emissões de poluentes.
Na Holanda (Países Baixos)
Nas organizações públicas Holandesas, o teletrabalho também vem crescendo, acompanhado da preocupação em fornecer o devido suporte aos servidores. Estudos científicos realizados em 2018 revelam que, quando o regime de trabalho remoto é acompanhado de práticas de liderança relacional mais acentuada com os servidores da equipe, a chance de sucesso, de incremento da satisfação e do desempenho são muito maiores.
No Reino Unido
No Reino Unido há um longo anseio pelo avanço do trabalho remoto em comparação aos demais países europeus. Na reportagem de Tim Fawcett, do jornal britânico The Guardian, intitulada “Governos globalmente adotando o trabalho flexível, por que não o Reino Unido?”, o jornalista afirma que, se desejam competir pelos maiores talentos internacionais, seria astuto adotar políticas de trabalho flexível. Apesar da relativa desconfiança ou conservadorismo inglês, os países europeus vêm avançando em direção aos novos regimes de trabalho para ganhar eficiência, atratividade e qualidade de vida.
E no Brasil, como o teletrabalho vem avançando no serviço público?
A implantação do teletrabalho no serviço público no Brasil é bastante recente, entretanto vem evoluindo de maneira consolidada em órgãos federais e estaduais. O primeiro caso conhecido de implantação formal desse regime de trabalho foi no Serviço Federal de Processamento de Dados – SERPRO, que iniciou sua experiência-piloto em 2005 e implantou efetivamente em 2006. Por sua natureza predominante de trabalho de programação e processamento de dados, o SERPRO possuía um contexto bastante propício para o trabalho remoto: atuação individual independente, com entregas individuais e possibilidade de comunicação à distância. O ingresso no regime de trabalho remoto se dava por meio de análise de perfil junto ao gestor da área, acompanhado pelo setor de Gestão de Pessoas e, como empresa celetista, fornecia os equipamentos necessários para o funcionário atuar em sua residência.
O segundo caso mais conhecido desta modalidade foi implantado no Tribunal de Contas da União – TCU, a partir de 2009. O TCU, apoiando-se no aprendizado de outras organizações mas também propondo suas próprias inovações, foi um dos precursores dentre os órgãos estatutários. Com controles de produtividade e desempenho sempre em evolução, restringiu a elegibilidade apenas aos servidores estáveis (cumprido o estágio probatório) e até o limite de 30% de seu quadro, por unidade. Os resultados, ano a ano, foram extremamente positivos segundo suas pesquisas internas:
Fonte: dados fornecidos pelo TCU em apresentação realizada em 2016.
Em Abril de 2019, o TCU editou nova portaria interna aumentando o limite do quadro elegível ao trabalho remoto para 40%, sendo este um dos maiores percentuais conhecidos em órgãos públicos federais. Ademais, discutem também a priorização do trabalho remoto para servidores portadores de necessidades especiais (prática já comum em outros órgãos), assim como a elegibilidade para ocupantes de cargo de assessoria e uma maior alternância entre o trabalho remoto e o presencial na sede.
O Tribunal Superior do Trabalho – TST aparece em seguida na linha do tempo, implantando o trabalho remoto em 2012. Figurando como um dos melhores modelos atualmente. Não é à toa que está agora em sua oitava edição da portaria interna que o regulamenta, evoluindo e atualizando seus parâmetros conforme o aprendizado interno. O TST destaca-se, dentre as experiências no âmbito federal, pela estruturação do processo seletivo e dos mecanismos de acompanhamento e suporte ao trabalho remoto.
Para o processo seletivo, conta com uma unidade dedicada ao trabalho remoto em sua estrutura de Gestão de Pessoas. Apoiada pela equipe de médicos do trabalho, realiza análises de perfil, histórico familiar e social, exames médicos prévios, entrevistas com o gestor e com os servidores candidatos ao trabalho remoto e, após selecionados, são acompanhados por meio de reuniões e checagens periódicas para permitir a continuidade (ou o desligamento) deste regime de trabalho. De maneira gradual e parcimoniosa, o TST vem aumentando os quantitativos de servidores nessa modalidade, servindo como exemplo de boas práticas a serem seguidas.
A partir dessas experiências, o modelo de trabalho remoto se disseminou fortemente no âmbito do poder Judiciário. Em 2016, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ lançou a Resolução 227, com diretrizes bastante específicas para todos os tribunais federais e estaduais. Dentre elas, definiu que os nomes dos servidores em trabalho remoto sejam divulgados nos respectivos portais da transparência, que a área de Gestão de Pessoas e de saúde ocupacional auxiliem no processo, que as metas individuais sejam conectadas ao planejamento estratégico do órgão, definiu o conteúdo mínimo do plano de trabalho para o servidor, os procedimentos quanto ao sigilo de informações, a fixação de prazo máximo para o trabalho remoto e os critérios para sua terminação.
Os Tribunais de Contas estaduais (TCEs) também vêm se destacando pela implantação deste regime de trabalho. TCE-ES, TCE-SP e TCE-MT já o implantaram, mas o TCE-MG recentemente inovou ao definir inclusive regras de ergonomia a serem seguidas pelos servidores em suas residências, no modelo que denominaram oficialmente de home-office.
Por fim, pode-se afirmar que nenhum órgão público se destacou tanto quanto a Controladoria-Geral da União – CGU nesse assunto. Iniciado com experiência-piloto em Junho de 2015 e implantado em Setembro de 2016, o chamado Programa de Gestão de Demandas da CGU procurou implantar um modelo de trabalho flexível, seguindo as diretrizes básicas do Decreto 1.590, de 10 de agosto de 1995 e avançando em diversos outros parâmetros. O referido programa da CGU demonstra um grau de flexibilidade sem precedentes na administração pública brasileira, inteiramente pautado pela ótica das entregas e do atingimento de metas de trabalho, podendo o servidor comparecer ao órgão ou não, atendendo a procedimentos mínimos.
Conforme pôde-se conhecer junto aos gestores desse programa, o grau de risco quanto ao sigilo de informações e em relação ao cumprimento do trabalho em si é consideravelmente mais alto, mas o sucesso tem sido tal que gerou um problema: os gestores relatam dificuldade em acompanhar a produtividade das equipes de trabalhadores remotos, tamanho o ganho de celeridade e eficiência no trabalho.
De fato, ocorreu algo curioso: os parâmetros de produtividade do regime de trabalho remoto da CGU se tornaram tão refinados com o tempo que passaram a pautar a Gestão do Desempenho dos servidores que atuam na sede, em um fluxo de retroalimentação. Abaixo reproduzimos um estrato do rol de atividades e respectivos tempos de execução medidos em séries históricas na CGU, que permitiram diferenciar a realização da mesma atividade na sede e em trabalho remoto:
Atividades de Controle Interno | |||||
Atividade | Faixa | Tempo de duração da atividade presencial | Tempo de duração da atividade no PGD | Ganho de produtividade | Produto esperados |
Planejamento: Estudos para elaboração da estratégia das ações
de controle, elaboração de pré-projeto, levantamento de informações, Programa de Trabalho, Matriz de Planejamento, Estruturação dos papéis de trabalho |
A | 40:00:00 | 32:00:00 | 20% |
Estudos, pré- projetos, levantamentos, programas de trabalho, matriz de planejamento |
B | 20:00:00 | 16:00:00 | 20% | ||
C | 15:00:00 | 12:00:00 | 20% | ||
D | 10:00:00 | 8:00:00 | 20% | ||
E | 7:30:00 | 6:00:00 | 20% | ||
F | 5:00:00 | 4:00:00 | 20% | ||
Levantamento, cruzamento e análise de bases de dados. | Especial | 50:00:00 | 40:00:00 | 20% |
Planilha, relatórios |
A | 25:00:00 | 20:00:00 | 20% | ||
B | 20:00:00 | 16:00:00 | 20% | ||
C | 15:00:00 | 12:00:00 | 20% | ||
D | 10:00:00 | 8:00:00 | 20% | ||
E | 7:30:00 | 6:00:00 | 20% | ||
F | 5:00:00 | 4:00:00 | 20% | ||
Execução de ação de controle: Coleta e análise de dados, produção/coleta de papéis de trabalho, minuta de matriz de achados | A | 47:30:00 | 38:00:00 | 20% |
Matriz, papéis de trabalho, planilhas. |
B | 25:00:00 | 20:00:00 | 20% | ||
C | 15:00:00 | 12:00:00 | 20% | ||
D | 7:30:00 | 6:00:00 | 20% | ||
E | 5:00:00 | 4:00:00 | 20% |
Fonte: Controladoria-Geral da União – CGU, 2019. Pode ser acessado em: https://repositorio.cgu.gov.br/handle/1/23522
Tamanho foi o sucesso do modelo criado pela CGU que passaram a recebera visitas de representantes do Ministério do Planejamento (atual Ministério da Economia) para coletarem informações e benchmarks. O resultado foi a publicação, em Agosto de 2018, da Instrução Normativa Nº 01, que instrui os órgãos federais a seguirem o chamado Programa de Gestão. Essa Instrução Normativa detalha os principais parâmetros para o trabalho:
- por tarefa;
- semi-presencial;
- teletrabalho
Após tomar-se conhecimento de diversas experiências, foi elaborado um quadro com a finalidade de resumir as principais características dos modelos de trabalho remoto encontradas na administração pública brasileira, apresentado a seguir. Ressalta-se que se trata da predominância das características observadas, podendo existir exceções particulares em uma organização ou outra.
Item | Descrição |
Tipo de trabalho elegível | Trabalho realizado predominantemente de forma individual e que não necessite de interação com os colegas. |
Vedações |
|
Infraestrutura | Praticamente todos os órgãos estatutários determinam, por convenção, que o servidor que se candidatar ao trabalho remoto deve providenciar seus próprios equipamentos e infraestrutura de trabalho.Apenas as empresas públicas (celetistas) são obrigadas a providenciá-los por força das alterações recentes na legislação trabalhista. |
Localização | A maioria dos órgãos pesquisados determinam algum limite de distância de atuação da sede. Exceções são feitas quanto o servidor passa a atuar no exterior, mediante autorização expressa da autoridade máxima do órgão de origem. |
Processo seletivo | Poucos órgãos realizam um processo seletivo estruturado. Nesse item, um destaque é dado ao processo seletivo realizado pelo TST, composto por várias etapas com interação do RH e do Gestor da área. Servidores já tiveram candidatura negada por não atenderem ao perfil ideal. |
Período máximo | Na maioria dos casos os normativos determinam o período máximo de 12 ou 24 meses, podendo ser renovado mediante autorização ou novo processo seletivo simplificado. |
Metas individuais | Praticamente todos os órgãos pesquisados definem metas de 15% a 25% superiores em relação às metas dos servidores que atuam na sede.Apenas a PGR define como “metas iguais ou superiores”. Empresas públicas não podem majorar as metas por força da CLT. |
Controle de jornada de trabalho | Pautado pelo atingimento das metas estabelecidas no acordo de desempenho / plano de trabalho.O não atingimento injustificado pode ensejar faltas e sanções. |
Comparecimento periódico | Mais da metade dos órgãos pesquisados determinam a necessidade de comparecimento periódico à sede para tratar com o gestor ou a equipe pessoalmente, ou para participar de eventos. |
Sigilo de informações |
|
Principais características do trabalho remoto encontradas na administração pública brasileira (elaborado pelo autor).
Pôde-se observar, após diversas interações com organizações públicas nesse tema, que, com exceção do caso da CGU, a grande maioria segue parâmetros bastante parecidos ao implantar o trabalho remoto. Alguns alteram um critério ou outro, desejando inovar ou deixar sua marca, mas invariavelmente apresentam grandes semelhanças.
Quais são os principais riscos e lições aprendidas do teletrabalho?
Conforme observou-se nos trechos anteriores, muitas são as vantagens e benefícios do trabalho remoto. Para o servidor, a melhoria da qualidade de vida em geral, a possibilidade de gerenciar melhor seu tempo em equilíbrio com as demandas familiares (ex.: cuidar de parentes enfermos), a facilitação para portadores de necessidades especiais, o melhor aproveitamento de seu tempo ao evitar longas horas de deslocamento, a redução de gastos com transporte, dentre outros aspectos.
Já para a organização, um aumento de produtividade ao proporcionar um foco maior do servidor nas suas atividades principais, de maneira concentrada e com menos interferências, assim como a redução de custos de aluguel, infraestrutura, energia, impactos positivos na atratividade da organização e na retenção de talentos. Há quem afirme que, além dessas vantagens, o trabalho remoto é também utilizado em casos pontuais para sanar problemas de relacionamento entre colegas, mesmo sendo uma escolha voluntária.
Dessa forma, ao enfrentarem esses casos, apesar de serem exceções, as organizações que implantaram o trabalho remoto revisaram seus normativos e implantaram medidas para prevenir tais ocorrências:
- Limite de horário: ao perceber os casos de “trocar o dia pela noite”, definiram horários-limite para o acesso ao sistema online onde se registram as atividades e relatórios de trabalho. Por exemplo, um órgão específico determinou que o sistema ficaria fechado das 19:00h às 06:00h do dia seguinte, fazendo com que os trabalhadores remotos desempenhassem suas atividades em horários mais adequados e se comunicassem melhor com seus gestores.
- Comparecimento periódico obrigatório: para contornar o problema de distanciamento e isolamento de alguns servidores em relação à cultura organizacional, alguns órgãos definiram que deve-se comparecer ao menos uma ou duas vezes por semestre para participar de eventos corporativos, cursos técnicos ou gerenciais e eventos de confraternização.
- Exames médicos e psicológicos periódicos: para atestar as boas condições físicas e mentais do servidor, inclusive em relação a vícios ou rotinas prejudiciais à saúde e ao trabalho.
- Limite de distância da sede: com vistas a garantir o atendimento a convocações emergenciais, seja para reuniões, para devolução de documentos ou para outros fins, diversas organizações estabeleceram limites de distância para a realização do trabalho remoto. Em alguns casos uma limitação em quilômetros, em outros dentro do perímetro urbano da cidade ou nos limites do estado. do local de realização do trabalho remoto em relação ao órgão de lotação.
Vale mencionar que estudos científicos realizados em 2018 em países europeus enfatizam que, para garantir a efetividade do trabalho remoto, é de suma importância investir no fortalecimento da relação das lideranças com as equipes. Não se trata da liderança hierárquica, mas sim da liderança baseada em relacionamento horizontal, que gera as trocas sinérgicas e colaborativas, chamadas Leader – Member Exchange – LMX.
A partir desses aprendizados, muitos dos novos normativos de regulamentação do trabalho remoto já incorporam muitas dessas medidas, apoiando-se nas experiências de órgãos como TST, TCU e TCE-MG.
Perspectivas do trabalho flexível para os próximos anos.
A demanda exponencial por novas formas de viver, trabalhar, se divertir e aprender utilizando sistemas e aplicativos ligados à internet transborda cada vez mais para o ambiente de trabalho do setor público. Assim, tecnologias de vídeo e de trabalho colaborativo estão acelerando a mudança dos regimes de trabalho assim como impactam aspectos culturais e comportamentais da sociedade contemporânea. A tendência do trabalho remoto é crescente, e não poderia ser diferente.
A chamada geração Millenials (aqueles que nasceram após o ano 2000) já demonstra costumes completamente diferentes. Um estudo realizado pela companhia Cisco há alguns anos já apontava que 46% dos estudantes de ensino superior de 18 a 24 anos de idade se dispõem a trocar salários mais altos pela possibilidade de trabalhar fora do escritório, acessar mídias sociais e utilizar seu equipamento de preferência (tablet, celular ou outro) no trabalho. O estudo afirmou, ainda, que o trabalho remoto será uma das maiores mudanças estruturais no mercado de trabalho nesta década e na próxima.
Esses serão os servidores do futuro. Fica a pergunta:
quão preparada está a organização pública para atrair e reter os talentos das novas gerações de trabalhadores?
A implantação de regimes de trabalho remoto se consolidará cada vez mais na administração pública no Brasil. No governo federal, a publicação da Instrução Normativa nº 01 de Agosto de 2018, mencionada anteriormente, incentivará os órgãos públicos federais a implantarem alguma forma de trabalho remoto, na medida em que transmite mais segurança e respaldo, com parâmetros sólidos e já testados pelos benchmarks mencionados aqui, que inspiraram sua redação.
Com a disseminação de sistemas de processo eletrônico como o SEI (Sistema Eletrônico de Informações), que permitem inserir documentos e registrar os pareceres, despachos ou encaminhamentos, assim como outros sistemas de gestão que conseguem fazer a leitura dos dados de outros sistemas, o local onde o trabalho é feito será cada vez menos relevante. O foco será intensificado nas entregas e na produtividade, com exceção das atividades de atendimento ao público.
Como pôde-se constatar ao longo deste texto, trata-se de uma tendência mundial no serviço público. Muito em breve, espera-se que a quase totalidade dos órgãos públicos brasileiros terá alguma forma de trabalho flexível implantada para as atividades mais padronizadas e exequíveis de forma individual.
O desafio é implantar de maneira segura, gradual e conforme a realidade que cada organização consiga gerenciar adequadamente.
Fonte: Instituto Publix.