O trabalho é inerente à condição humana, presente, se constituindo em uma das três atividades fundamentais da vita activa, que são: labor, trabalho e ação (ARENDT, 2007). As modificações impostas pelo trabalho impactam a vida das pessoas e das organizações, influenciando a percepção de bem-estar, definido como o estudo científico da felicidade (DIENER,1984). Portanto, bem-estar e trabalho fazem parte da experiência de vida da humanidade, em que o primeiro se revela no objetivo primordial da nossa existência: ser feliz; e o segundo, como um dos elementos basilares para a vivência de tal percepção. Tratou-se de análise quantitativa, cujo objetivo foi verificar a percepção de bem-estar no trabalho em servidores públicos, reconhecendo que bem-estar no trabalho é uma forma de investigar as condições que impactam a percepção dos indivíduos sobre seu bem-estar no contexto de trabalho, tratando da predominância de emoções positivas e a percepção do indivíduo de que o trabalho desempenhado proporciona o desenvolvimento de suas habilidades, auxiliando no alcance de seus objetivos (PASCHOAL; TAMAYO, 2008). Utilizou-se a Escala de Bem-Estar no Trabalho (EBET), sendo verificada a sua fatorabilidade em amostra composta por 389 participantes, servidores públicos de uma instituição pública federal, localizada no Distrito Federal. A fatorabilidade da EBET pela Análise Paralela (AP), de Horn, confirmou a existência de três fatores. A adequação da escala foi confirmada pela Análise Fatorial Exploratória, com Alfa de Cronbach de 0,94 para o fator afeto positivo; 0,93 para o afeto negativo; e 0,92 para o fator realização. Como critérios de fatorabilidade, estabeleceram-se cargas fatorias > 0,35 e eigenvalues > 1. A Análise da variância para os fatores afeto positivo, afeto negativo e realização foi significativa (F = 241,580, gl 2, p < 0,001). As análises comparativas (teste t, correlações e ANOVA) entre os fatores foram significativas para as variáveis tempo de serviço, cargo, cargo de chefia, ocorrência de afastamentos e suas causas. Os dados demonstraram uma elevada percepção de bem-estar no trabalho pelos participantes.
Abstract
Work is inherent to the present human condition, constituting itself in one of the three fundamental activities of the active vita, which are: labor, work and action (ARENDT, 2007). The changes imposed by the work impact the lives of people and organizations, influencing the perception of well-being, defined as the scientific study of happiness (DIENER, 1984). Therefore, well-being and work are part of the life experience of humanity, in which the first is revealed in the primordial goal of our existence: to be happy; and the second, as one of the basic elements for the experience of such perception. This was a quantitative analysis, whose objective was to verify the perception of well-being at work in public servants, recognizing that well-being at work is a way to investigate the conditions that impact the perception of the individuals about their well-being in the context (PASCHOAL; TAMAYO, 2008). The Occupational Wellness Scale (EBET) was used, and its factorial was verified in a sample composed of 389 participants, public servants of a federal public institution, located in the Federal District. The factor of the EBET by the Parallel Analysis (AP), Horn, confirmed the existence of three factors. The adequacy of the scale was confirmed by the Exploratory Factor Analysis, with Cronbach’s alpha of 0.94 for the positive affect factor; 0.93 for the negative affect; and 0.92 for the achievement factor. As factors of factoriness, factories loads> 0.35 and eigenvalues> 1 were established. Analysis of the variance for the factors positive affection, negative affection and achievement was significant (F = 241,580, gl 2, p <0.001). The comparative analyzes (t test, correlations and ANOVA) among the factors were significant for the variables time of service, position, managerial position, occurrence of departures and their causes. The data showed a high perception of well-being in the work by the participants.
Key words: Welfare, Welfare at work, public servant.
Introdução
A felicidade é um dos principais objetivos a ser perseguido por grande parte dos indivíduos e, nas sociedades ocidentais e capitalistas, esse objetivo está intimamente relacionado com o trabalho, que se constitui em uma das três atividades fundamentais da vida humana, denominadas vita activa, que são labor, trabalho e ação (ARENDT, 2007). Nesse sentido, o trabalho contribui para a construção de identidades (HALL, 2004) e revela-se fonte de prazer e realização (WARR, 2005).
Os aspectos do trabalho e suas influências no bem-estar dos indivíduos foram impulsionados com o surgimento da Psicologia Positiva e seu propósito de empoderamento do indivíduo, por meio do estudo científico das emoções positivas, suas forças e virtudes (SELIGMAN; CSIKSZENTMIHALYI, 2000). Nesse contexto, surgiram as primeiras pesquisas que definiram o bem-estar como o estudo científico da felicidade e referem-se ao funcionamento psicológico satisfatório e às experiências individuais, que constituiriam uma “vida boa” (DIENER,1984).
O construto bem-estar adota como referência os conceitos de felicidade “hedônica” e “eudaimônica”, cunhados pelos filósofos na Grécia Antiga. Para o filósofo Aristipo (séc. IV a.C), a concepção hedônica representada pelo objetivo da vida era experimentar o máximo de prazer (RYAN; DECI, 2001). A ideia de felicidade referia-se, exclusivamente, ao indivíduo e ao prazer por ele percebido. Havia uma relação positiva entre a frequência e a intensidade de prazer e felicidade.
O filósofo Aristóteles representava o pensamento eudaimônico de felicidade como algo além do prazer, em que, para sentir-se feliz, o indivíduo necessitava experimentar não somente o prazer, mas também as oportunidades para expressar suas virtudes (RYAN; DECI, 2001). O trabalho como dimensão fundamental da vida constitui-se em terreno fértil para o desenvolvimento de tais virtudes.
A percepção de bem-estar no trabalho está, em certa medida, relacionada também com as características organizacionais. Nessa perspectiva, o tipo de cultura (cultura de apoio, cultura de inovação, cultura de objetivos e cultura de regras) praticado pela organização influencia o modo como se darão todas as relações em tal organização (QUINN; CAMERON, 1983). Além disso, os aspectos relacionados ao trabalho, tais como status, exigência física, autonomia, oportunidades de crescimento, relações sociais e jornada, exercem grande influência sobre o bem-estar dos indivíduos (CORNELIBEN, 2006).
São considerados servidores públicos os servidores estatutários, ocupantes de cargos públicos, providos por concurso público e que são regidos por um estatuto definidor de direitos e obrigações; os empregados e/ou funcionários públicos, ocupantes de emprego público também provido por concurso público, contratados sob regime da CLT (BENETTI; ARAÚJO, 2008).
Esses profissionais atuam em instituições caracterizadas pelo predomínio de uma cultura de regras, inspirada no modelo de gestão técnico-burocrático (WEBER,1997), que valoriza a existência de normas escritas, estrutura hierárquica rígida, divisão horizontal e vertical do trabalho. Outra característica é a impessoalidade no recrutamento de pessoal, que ocorre por meio da admissão por aprovação em concurso público. Tais aspectos influenciam a forma como o servidor público relaciona-se com o trabalho (NUNES; LINS, 2009).
Lima (2008) destaca que a estabilidade no emprego e os altos salário em geral são fatores associados à qualidade de vida no trabalho, o que diferencia o servidor público dos demais trabalhadores da iniciativa privada. No entanto, ressalta que tais aspectos nem sempre resultam em “um mar de rosas”. Além disso, as mudanças em curso referentes às reformas trabalhistas e previdenciárias afetarão profundamente os aspectos citados, diminuindo a diferença entre as categorias de trabalhadores (setor público e privado).
Existe relação entre o tipo de trabalho desempenhado por determinadas profissões e os impactos sobre o bem-estar dos trabalhadores. Atividades com elevada demanda e baixa capacidade de decisão seriam promotoras de estresse. O trabalho prestado por uma determinada organização guarda características peculiares, conforme revela-se como importante elo para as investigações sobre o bem-estar, uma vez que o tempo dedicado ao trabalho constitui um componente fundamental para a construção e o desenvolvimento do bem-estar pessoal e da felicidade (HORN et al., 2004). O presente artigo tem por objetivo, verificar a percepção de bem-estar no trabalho, em servidores públicos, lotados em uma instituição localizada no Distrito Federal.
Bem-estar subjetivo
Como e por que as pessoas conseguem enxergar as próprias experiências de modo positivo, utilizando julgamentos cognitivos nas reações afetivas? (DIENER,1985). Esta pergunta é a base das pesquisas sobre bem-estar subjetivo, uma vez que se dedicam a compreender os motivos que levam a percepções individuais de bem-estar consideradas as mesmas condições.
O conceito de bem-estar subjetivo utiliza-se da estrutura bidimensional de bem-estar, composta por afetos positivos e afetos negativos (BRADBURN,1965) e agrega uma terceira dimensão denominada satisfação com a vida (DIENER,1985). A percepção de bem-estar não se relaciona à ausência de afetos negativos. Existe uma relação mais intensa entre a frequência dos afetos (positivos e negativos) do que a intensidade de ambos (DIENER,1985). Nessa lógica, o bem-estar subjetivo é elemento de dimensões complexas, que varia entre os indivíduos e o intra-indivíduo, sendo influenciado pelos aspectos socioculturais, mas, sobretudo, pelo resultado do modo como o indivíduo se apropria de tais ferramentas.
Diener (1985) fez distinção entre frequência e intensidade do afeto, concluindo que existe relação inversamente proporcional entre a frequência dos afetos. Isto explicaria o fato de que quanto mais um indivíduo experimenta um tipo de afeto, menor é a possibilidade desse mesmo indivíduo experimentar o afeto oposto, o que confirma a afirmação de Diener et al. (1985) de que o indivíduo raramente experimentará intensamente ambos os afetos ao mesmo tempo.
Desta forma, a definição de bem-estar utiliza-se das vivências dos afetos e do balanço entre eles, pois bem-estar não é a ausência de experiências negativas, mas um balanço positivo que o indivíduo faz dessas experiências, utilizando um componente cognitivo denominada ‘satisfação com a vida’, que o auxilia em sua avaliação. O bem-estar subjetivo é, então, conceituado a partir de três dimensões: o afeto positivo, o afeto negativo e a satisfação com a vida (DIENER et al., 1999).
Os afetos positivos e negativos seriam as respostas emocionais, de caráter transitório, às vivências individuais que são fortemente influenciadas por aspectos subjetivos (ALBUQUERQUE; TRÓCCOLI, 2004). A satisfação com a vida é um aspecto de natureza cognitiva caracterizada pelo balanço que cada indivíduo faz sobre a própria vida (NOVO, 2003 apud NUNES, 2009).
Assim, a feição de uma avaliação pautada em aspectos cognitivos é o que diferencia a satisfação da felicidade com a vida, uma vez que a satisfação é um fenômeno que envolve as percepções individuais e subjetivas, mas que acontece a partir de um julgamento do indivíduo, a partir de experiências reconhecidas como positivas ou negativas sobre a própria vida. A felicidade é um fenômeno amplo que inclui respostas emocionais do indivíduo e julgamentos globais sobre sua satisfação com a vida (DIENER,1985; DIENER et al., 1999).
A ênfase na subjetividade e no resultado das experiências afetivas são determinantes do bem-estar subjetivo e compreendem a experiência de prazer versus desprazer (RYAN; DECI, 2001). Desse modo, apenas a vivência de prazer não seria o determinante do bem-estar subjetivo, sendo fundamentais a percepção e o modo como o indivíduo irá se relacionar com essas experiências.
Considerando as dimensões afeto positivo, afeto negativo e satisfação com a vida, propõe-se a representação do Bem-Estar Subjetivo, a partir de uma estrutura tridimensional concebida a começar do modelo de um “complexo jogo de xadrez tridimensional” (NYE, 2012). Esse modelo é proveniente do campo das Relações Internacionais, em que o primeiro tabuleiro alude ao poderio militar, o segundo tabuleiro remete ao poderio econômico e o terceiro tabuleiro refere-se à relação entre eles (Figura 1).
Figura1. Estrutura tridimensional do bem-estar subjetivo, a partir do modelo do complexo “jogo de xadrez tridimensional”
Fonte: NYE (2012).
O modelo adéqua-se a uma representação do bem-estar subjetivo, no qual o primeiro tabuleiro representa o afeto positivo (reconhecimento, motivação), o segundo tabuleiro representa o afeto negativo (ansiedade, angústia, depressão) e o terceiro tabuleiro representa a satisfação com a vida, caracterizada como o julgamento que o indivíduo faz sobre sua vida. Existe relação dinâmica e multipolar entre as peças do tabuleiro e os tabuleiros.
Bem-estar subjetivo é um construto multidimensional, que deve considerar aspectos individuais, econômicos, sociais e culturais para sua compreensão. Nesse ponto de vista, é também um construto híbrido caracterizado pela relação de preponderância entre os afetos positivos e os afetos negativos e de um julgamento dessa relação denominada satisfação com a vida, que modifica de um indivíduo para outro, variando inclusive no próprio indivíduo, conforme o seu momento de vida (DIENER, 1985). O bem-estar é influenciado por diversos fatores, tais como idade (DIENER,1985) e traços de personalidade (DE NEVE; COOPER,1998).
De Neve e Cooper (1998) verificaram a relação entre traços de personalidade e bem-estar subjetivo. Eles constataram que a percepção de bem-estar subjetivo estava relacionada a traços de personalidade e concluíram que existe uma relação entre estilos de personalidade, diferenças individuais e bem-estar subjetivo. Existe forte relação entre as personalidades extrovertidas e afáveis e o bem-estar subjetivo, enquanto que existiria relação negativa entre a personalidade com características neuroticistas e a percepção de bem-estar subjetivo (DE NEVE; COOPER,1998). Esses achados estão em conformidade com a estrutura do bem-estar subjetivo, na qual a personalidade neuroticista apresentaria percepção negativa de bem-estar subjetivo em decorrência da prevalência na vivência do afeto negativo.
A percepção de bem-estar subjetivo ocorre com base em uma avaliação afetiva e individual das experiências de vida, caracterizada por um “balanço” positivo de tais experiências a partir de uma avaliação global da própria vida (DIENER et al. 2002). Tais características influenciam nas respostas dos indivíduos e são influenciadas pelo momento de vida e pelos aspectos culturais.
Os indivíduos que vivem em uma cultura individualista tendem a julgar a satisfação com a vida a partir de uma atitude mais individualista, enquanto que indivíduos que vivem em sociedades coletivistas tendem a considerar as opiniões alheias ao realizar seu julgamento (DIENER; LUCAS; OSHI, 2002).
As vivências de prazer e desprazer permeiam a existência humana e referem-se a todas as dimensões da vida. O trabalho é uma das principais dimensões da vida do indivíduo, na medida em que é um fator estruturante da identidade, promotor de bem-estar e de mal-estar, trazendo impactos para as demais dimensões da vida do indivíduo e da sociedade.
Bem-estar no trabalho
A globalização e as modificações impostas pelo trabalho impactam a vida das pessoas e das organizações, influenciando a percepção de bem-estar. O bem-estar no trabalho é a forma de investigar as condições que impactam a percepção dos indivíduos sobre seu bem-estar no contexto de trabalho.
A psicologia do trabalho antes se voltava, sobretudo, à análise dos malefícios físicos e psicológicos à saúde do trabalhador (MORAES et al., 2015). Recebeu a contribuição da psicologia positiva (SELIGMAN, 2000), que promoveu mudança de paradigma nas reflexões sobre bem-estar, abordado a questão a partir da importância e necessidade de sentir-se bem no trabalho. Essa nova postura proporcionou condições para que fossem adotadas medidas de promoção do bem-estar.
O construto bem-estar pode ser avaliado a partir de diversos contextos. O contexto laboral tem sido bastante investigado, dada a importância individual, econômica e social, uma vez que o tempo dedicado ao trabalho constitui componente fundamental para a construção e o desenvolvimento do bem-estar pessoal e da felicidade (HORN; TARIS; SCHAUFELI; SCHREURS, 2004).
O indivíduo passa grande parte de seu tempo de vida no trabalho, onde tem a oportunidade de forjar a própria identidade, adquirir novos conhecimentos e habilidades. No local de trabalho, estabelecem-se diversos tipos de relações que proporcionam prazer e desprazer, as quais darão origem ao sentimento de bem-estar proporcionado pelo reconhecimento, satisfação profissional e motivação, ou de mal-estar, caracterizado por frustração, perda de interesse e insatisfação profissional.
O bem-estar no trabalho é um construto caracterizado pelas interações que ocorrem com o indivíduo em seu local de trabalho e as percepções decorrentes dessas relações. Além disso, o bem-estar no trabalho influencia outras dimensões da vida do indivíduo, como a vida familiar e social, que, por sua vez, influenciam e impactam a percepção de bem-estar no trabalho. O bem-estar no trabalho é percebido a partir das relações de trabalho caracterizadas pela presença de afetos positivos, negativos e satisfação, nas quais a satisfação é uma avaliação cognitiva das experiências de vida, como consequência de valores considerados importantes para o indivíduo (DIENER,1985).
A compreensão das causas e dos fatores de bem-estar no trabalho podem fornecer importantes informações para as organizações e auxiliar na adoção de medidas para a sua promoção (HORN; TARIS; SCHAUFELI; SCHREURS, 2004). Um ambiente de trabalho dotado de atmosfera inspiradora, preocupado em oferecer ao indivíduo as condições que atendam às suas necessidades de prazer e realização, deve ser um objetivo perseguido por toda organização consciente do seu papel social.
O construto bem-estar no trabalho está ancorado em avaliações positivas que o indivíduo faz sobre vários aspectos de seu trabalho: afetivos, motivacionais, comportamentais, cognitivos, além da dimensão psicossomática (HORN; TARIS; SCHAUFELI; SCHREURS, 2004). Essas dimensões foram extraídas de duas concepções seminais sobre bem-estar: o modelo proposto por Ryff (1989) e o modelo proposto por Warr (1987).
A identificação e a promoção dos fatores geradores de bem-estar no trabalho demonstram essa importância, ao influenciarem comportamentos e gerarem comprometimento dos funcionários. Além disso, contribui para a retenção de talentos, influenciando na performance da organização. Para Horn et al. (2004), o comprometimento organizacional está relacionado ao nível de envolvimento do indivíduo com o trabalho, sendo representado pelas experiências de prazer e desprazer.
Os contextos de trabalho revelam-se rica fonte de aspectos influenciadores da percepção de bem-estar, dentre os quais a natureza da tarefa, definidos como oportunidade de exercer controle sobre o meio, oportunidade de empregar as próprias habilidades, quantidade e qualidade da demanda (pessoal e profissional), variedade de tarefas, expectativa de desempenho e comportamento. Outro aspecto que exerce grande influência na percepção de bem-estar diz respeito aos aspectos organizacionais, que são as relações interpessoais, a segurança, o reconhecimento, a dignidade, o suporte do gestor, as perspectivas na carreira, a equidade e o contexto organizacional (WARR, 2007).
O modelo de bem-estar no trabalho (Idem, ibidem) surgiu a partir do modelo de saúde mental (WARR, 1987), que se baseava na existência de quatro dimensões consideradas primárias: bem-estar afetivo (estado afetivo do indivíduo), aspiração (interesse pelo seu ambiente), autonomia (habilidade para resistir às pressões do ambiente e determinar suas ações e opiniões) e competência (recursos psicológicos utilizados nos enfrentamentos diários). Essas dimensões se relacionam com uma quinta dimensão, de característica secundária, denominada funcionamento integrado (funcionamento global do indivíduo)
A contribuição fundamental do modelo proposto por Warr (1987) foi fornecer instrumentos para a compreensão do bem-estar no trabalho, ao propor a dimensão do bem-estar afetivo, que se refere às experiências afetivas vivenciadas pelos indivíduos em seu ambiente laboral e que são definidas como ansiedade-conforto, depressão-prazer, desânimo- entusiasmo, cansaço-vigor, raiva-tranquilidade.
As experiências afetivas relacionadas ao contexto laboral que mais comprometem o bem-estar no trabalho são as experiências de prazer e desprazer. Existe forte relação entre trabalho e os antecedentes de bem-estar, o que proporciona a melhor compreensão sobre como as características do trabalho afetam o bem-estar do indivíduo (WARR, 2007).
Bem-estar no trabalho pode ser entendido como a avaliação positiva de diferentes características do ambiente laboral e inclui aspectos afetivos, motivacionais, comportamentais, psicossomáticos e cognitivos (HORN; TARIS; SCHAUFELI; SCHREURS, 2004). Esse construto também foi definido como a predominância de emoções positivas e a percepção do indivíduo de que o trabalho desempenhado proporciona o desenvolvimento de suas habilidades e o auxilia no alcance de seus objetivos pessoais (PASCHOAL; TAMAYO, 2008).
Paz (2005) define o bem-estar no trabalho como a satisfação de necessidades e a realização de desejos dos indivíduos, ao desempenharem seu papel na organização. Está dividido em dois polos denominados ‘gratificação’ e ‘desgosto’. O polo da gratificação ocupa-se dos indicadores de bem-estar no trabalho: valorização, reconhecimento pessoal, autonomia, expectativa de crescimento, suporte ambiental, recursos financeiros e orgulho (PAZ, 2005). O desgosto apareceria como o polo oposto.
A influência das dimensões psicossomáticas (presença ou ausência de queixas de saúde, como dor de cabeça, dores nas costas) e cognitivas sobre o bem-estar no trabalho foi verificada em professoras na Holanda O estudo concluiu que as dimensões de bem-estar profissional, social e afetivo constituem a base do bem-estar no trabalho (HORN; TARIS; SCHAUFELI; SCHREURS, 2004). As dimensões cognitivas e psicossomáticas, embora influenciem na percepção de bem-estar no trabalho, não exercem papel determinante sobre este. O bem-estar no trabalho é uma relação entre o indivíduo e as condições de trabalho. É o sentimento de pertença. As respostas decorrentes dessa relação decorrem de aspectos subjetivos, relacionados aos afetos ligados à percepção individual de satisfação.
Outro aspecto que influencia a percepção de bem-estar no trabalho relaciona-se às características do trabalho. Desse modo, condições de trabalho que atendam às necessidades do empregado e do empregador, no que se refere ao contrato de trabalho, recompensas jornada de trabalho, bem como à relação entre patrão e empregado satisfatória, seriam fatores promotores de bem-estar (VETS; DE WITTE; NOTELAERS, 2009). Aspectos relacionados ao status, esforço físico, autonomia, segurança, possibilidade de crescimento, relações sociais satisfatórias e jornada seriam aspectos definidores das sete características do trabalho (CORNELIBEN, 2006).
Este artigo pretende verificar a percepção de bem-estar no trabalho em servidores públicos e tem como objetivo específico verificar a fatorabilidade da Escala de Bem-Estar no Trabalho e sua utilidade para o presente estudo.
Método
Participantes
Responderam ao instrumento 400 servidores aprovados por meio de concurso público, lotados em uma instituição pública federal localizada no Distrito Federal. A instituição contava com 3.107 servidores na época da coleta de dados. A análise dos casos omissos (missings) foi realizada por fator da escala e casos com mais de 40% das respostas ao fator foram tratados por meio da supressão dos dados (BYRNE, 2010).
Foram excluídos sete casos que apresentaram respostas homogêneas (mesmas respostas para mais de cinco itens) relativas às variáveis observadas. Essa medida foi adotada com o objetivo de evitar viés no resultado da análise. Após este procedimento, a amostra ficou composta de 389 participantes, 192 (49,4%) servidores e 197 (50,6%) servidoras.
A idade média dos servidores foi de 43,6 anos (DP = 9,1), a maioria informou ser casada (149; 78%) e possuir (75,4%) filhos. Apenas seis servidores tinham escolaridade correspondente ao ensino médio. Os demais possuíam ou pós-graduação ou nível superior (149; 77,6%). O tempo médio de trabalho na instituição foi de 14,1 anos (DP = 10,4), com predomínio do cargo de analista (119; 62%). Cento e quarenta servidores não ocupavam (72,9%) cargos de chefia (Tabela 4).
Quase a metade dos servidores (49,5%) informou ter se afastado do trabalho por problemas de saúde nos últimos 24 meses. Os problemas físicos responderam pelo maior número de afastamentos (78; 40,6%), seguidos por problemas físicos e emocionais (9; 4,7%) e por problemas apenas emocionais (5; 2,6%). Os afastamentos inferiores a 10 dias foram os que apresentaram maior frequência (62; 32,3%) (Tabela 4).
Em relação às servidoras, a idade média foi de 43,5 anos (DP = 9,2), 123 (63,1%) eram casadas e 29 (14,9%) eram separadas ou divorciadas. Cento e vinte e seis (64,9%) responderam possuir filhos. Houve predomínio do grau de escolaridade de nível superior (162; 82,2%), com tempo médio de trabalho na instituição de 13,5 anos (DP = 9,9). A maioria também ocupava o cargo de analista (117; 59,7%) e não era chefe (153; 77,7%) (Tabela 4).
As servidoras apresentaram maior frequência (131; 66,5%) de afastamentos do trabalho por motivos de saúde que os servidores. Os afastamentos inferiores a 15 dias foram os mais comuns (79; 40%), com predomínio dos afastamentos por problemas físicos (98; 49,7%), seguidos pelos afastamentos por problemas físicos e emocionais (22;11,2%) e finalmente, pelos afastamentos por problemas emocionais (9; 4,6%) (Tabela 1).
Tabela 1 .
Perfil da amostra por número de participantes e porcentagem em diferentes variáveis
Instrumentos
A “Escala de Bem-Estar no Trabalho – EBET”, foi o instrumento utilizado para a realização da pesquisa. Essa opção ocorreu devido às características do instrumento e aos interesses da pesquisa. A referida escala operacionaliza as dimensões hedônica e eudaimônica, é de fácil aplicação e pode ser utilizada em diferentes situações de trabalho. Além disso, enfoca vivências do trabalhador (PASCHOAL; TAMAYO, 2008).
A escala é composta por trinta itens, divididos em três fatores: afeto positivo (9 itens e Alpha de Cronbach () de 0,92), afeto negativo (12 itens, = 0,89) e realização (9 itens, = 0,91), (PASCHOAL; TAMAYO, 2008). Nos primeiros 21 itens referentes ao afeto, o respondente deve avaliar a afirmativa “nos últimos seis meses meu trabalho tem me deixado…”, a partir de uma escala de respostas que varia de “nem um pouco” (1) a “extremamente” (5). Exemplos de itens são “contente”, “animado”, “frustrado” e “ansioso”. Os últimos nove itens tratam de realização, em que o respondente deve avaliar o quanto as afirmações representam suas opiniões sobre o trabalho. As escalas de respostas variam de (1) valor mínimo a (5) valor máximo. As afirmações “realizo meu potencial” e “supero desafios” são exemplos que ilustram os itens desse fator. Também foi aplicado um questionário com perguntas sobre aspectos sociobiográficos, o que auxiliou na construção do perfil da amostra.
Procedimentos
Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa iniciou-se a aplicação da Escala de Bem-Estar no Trabalho- EBET, na instituição pesquisada, durante a jornada de trabalho. Os participantes foram convidados a participar da pesquisa, recebendo as orientações sobre a mesma e seus objetivos. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE. O tempo de preenchimento do instrumento variou de 20 a 30 minutos e foi recolhido após o término do preenchimento pelos servidores. Cada instrumento recolhido pela pesquisadora foi imediatamente acondicionado em uma pasta destinada a esse fim. A aplicação do instrumento ocorreu na primeira quinzena de dezembro de 2016.
A fim de garantir uma amostra diversificada, foi providenciada a aplicação dos instrumentos em praticamente de todos os departamentos da instituição pesquisada. Na ocasião, dois setores não participaram da coleta de dados, em virtude de aspectos relacionados ao tempo para a realização da coleta.
Análise dos dados
Os dados coletados foram tabulados na base de dados do programa Statistical Package for the Social Sciences – SPSS. Foi realizada a análise da normalidade dos itens da escala por meio de assimetria e curtose. Houve um caso que apresentou escore (z) de 3,09, relacionado com a resposta da variável AN5, na qual o respondente informou sentir-se muito irritado com o trabalho. Os demais itens apresentaram escore (z) entre [-3 e +3] em todas os fatores. Também foram analisados os histogramas de cada fator, que demonstraram curvas de distribuição normais. Não foram observadas presença de outliers durante a presente análise.
Foi realizada a Análise Paralela de Horn (AP) para a definição dos fatores. A AP é um procedimento estatístico que consiste na construção aleatória de um conjunto hipotético de matrizes de correlações de variáveis, utilizando como base a mesma dimensionalidade do conjunto de dados reais (LAROS, 2004). Essa técnica produz médias de eigenvalues que devem apresentar resultados [>1]. Contudo, para garantir melhor acurácia do método, deve-se levar em consideração um IC = 95% para os valores de eigenvalues aleatórios. Adotou-se como critério para retenção do item no fator uma carga fatorial mínima de 0,35.
Após a realização da AP, iniciou-se a análise dos dados por meio da técnica de Análise Fatorial Exploratória (AFE), que compreende uma série de técnicas estatísticas que trabalham com análises multivariadas e matrizes (PASQUALI, 2003). A análise de fatores observa o padrão de correlações entre as variáveis, em que aquelas que são altamente correlacionadas entre si formam um fator (DANCEY, 2006).
A AFE considera que uma série de variáveis observadas podem ser explicadas ou agrupadas em um número menor de variáveis latentes, denominadas fatores. A técnica baseia-se nos princípios da parcimônia, caracterizados pela possibilidade de explicação de determinados fenômenos por meio de um número menor de variáveis latentes, e no princípio da causalidade, que reconhece as variáveis latentes como causas da co-variância entre as variáveis observadas (PASQUALI,1999)
A AFE é utilizada quando o pesquisador deseja refutar ou confirmar uma determinada estrutura fatorial de um instrumento (BROWN, 2006). Desse modo, o pesquisador deve verificar se o instrumento é passível de fatoração (PASQUALI, 1999). Foi utilizado o método de extração de Fatoração pelo Eixo Principal (PAF), com rotação oblíqua. O critério de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o Teste de Esfericidade de Bartlett foram utilizados para verificar a adequação dos dados para a análise fatorial.
Foram criadas novas variáveis denominadas afeto positivo, afeto negativo e realização, por meio da soma dos fatores das variáveis observadas, divididos pelo número de variáveis. As variáveis sociobiográficas sexo, idade, tempo de serviço, cargo, cargo de chefia, ocorrência de afastamentos por problemas de saúde nos últimos 24 meses e causas dos afastamentos foram analisadas por meio de testes (t), correlações (r) bivariadas e análise de variância (ANOVA).
O teste (t) é utilizado quando se deseja verificar se as diferenças entre as médias dos grupos são grandes o suficiente para concluir que elas ocorrem somente devido à influência da variável independente (DANCEY, 2006). Realizamos correlações quando pretendemos descobrir a existência de relacionamento entre variáveis.
O propósito da análise de correlação é verificar a existência de um relacionamento e sua intensidade entre as variáveis. O coeficiente de correlação (r) varia de [-1; +1]. Quanto mais próximo das extremidades [-1] e [+1] for o seu valor, mais poderosa será a correlação entre as variáveis analisadas (DANCEY, 2006). A Análise de Variância (ANOVA) procura verificar se há diferenças nas médias dos grupos. Trata-se de um teste (t) generalizado para mais de dois grupos (DANCEY, 2006).
Resultados
A normalização de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi de 0,948. O teste de esfericidade de Bartlett (AIC) foi significativo (χ2 = 8848,941, df =435, p < 0,001). Os resultados obtidos foram adequados (DAMÁSIO, 2012) e confirmaram a fatorabilidade dos dados.
A Análise da variância para os fatores afeto positivo, afeto negativo e realização foi significativa (F = 241,580, gl 2, p < 0,001). A média dos fatores foi de (X = 2,78, DP = 0,85) para afeto positivo, (X = 1,99, DP = 0,76) para afeto negativo e (X= 3,27, DP= 0,80) para realização. A diferença entre as médias (Tukey) dos fatores entre afeto positivo X afeto negativo foi de (X = 0,78, DP = 0,05, p < 0,01), entre afeto positivo X realização de (X = -0,48, DP = 0,05, p < 0,01) e entre afeto negativo e realização de (X = -1,27, DP = 0,05, p < 0,001).
O resultado da Análise Paralela de Horn (AP) identificou a existência de 4 fatores. Três fatores apresentaram cargas superiores a 3,5. O eigenvalue empírico do 4º fator (1,01) é menor que o aleatório (1,385). No entanto, Laros (2012) recomenda que as cargas fatoriais dos itens sejam maiores que 3,0. O gráfico abaixo demonstrou o eigenvalue no eixo y e os fatores no eixo x (root).
O Alpha de Cronbach é de 0,94 para o fator afeto positivo; 0,93 para o fator afeto negativo e 0,92 para o fator realização, o que indicou a precisão da escala. A correlação item total para afeto positivo variou de 0,54 a 0,87; a mesma correlação para afeto negativo variou de 0,58 a 0,79. Para realização, a correlação variou de 0,55 a 0,82. Para extração dos fatores foi utilizada a técnica da fatoração pelo Eixo Principal – FAP, com rotação oblíqua e apresentou valores de 9,90 para o fator afeto positivo, 8,67 para afeto negativo e 8,08 para realização (Tabela 5).
As correlações entre os fatores afeto positivo e afeto negativo ((r ) = – 0,557, p < 0,001), entre afeto positivo e realização ( (r ) = 0,526, p < 0,001) e entre afeto negativo e realização ( (r) = – 0,337, p < 0,001) foram significativas, comprovando, por meio da análise fatorial, a estrutura tridimensional do Bem-Estar Subjetivo (DIENER, 2000).
O item tranquilo apresentou cargas nos fatores afeto positivo e afeto negativo. Em ambos, as cargas fatoriais foram acima de 3,5, com carga maior em afeto negativo (-0,489). Trata-se de um item originalmente relacionado à afeto positivo, o que demonstra certa inconsistência teórica do instrumento na amostra pesquisada (Tabela 3).
Porém, considerando que o item tranquilo apresentou carga fatorial acima de 0,35 no fator afeto positivo, e que a presença ou não desse item e do item entediado, que não carregou em nenhum fator, não altera significativamente o valor da consistência interna, decidiu-se mantê-los em seus fatores de origem nas análises seguintes. Assim, os escores fatoriais foram obtidos pelos itens nos fatores de acordo com a proposta original (PASQUALI, 2004). A figura 1 apresenta um diagrama dos itens nos fatores conforme foram utilizados para a obtenção do escore fatorial.
Figura 2. Diagrama de Bem-Estar no Trabalho
Foram realizadas análises comparativas entre os fatores e as variáveis sociobiográficas. A variável idade apresentou correlações significativas com o fatores afeto negativo ( ( r) = -0,111, p < 0,05) e realização ( (r ) = 0,177, p<0,01). Esses dados corroboram com o descrito na literatura, em que o afeto negativo seria mais percebido por indivíduos jovens (Braun, 1977 apud Diener,1984). Por outro lado, indivíduos mais velhos tendem a perceber níveis mais elevados de realização (DIENER, 1984).
O teste (t) entre a variável gênero e os fatores afeto positivo, afeto negativo e realização não foi significativo, demonstrando o descrito na literatura (DIENER, 1984). Foi observada correlação significativa entre o fator realização e as variáveis tempo de serviço ((r) = 0,096, p<0,01). O tempo de serviço está relacionado ao domínio do ambiente de trabalho e ao fortalecimento de vínculos. As relações sociais que se estabelecem no trabalho são fatores que influenciam o bem-estar dos indivíduos (CORNELIBEN, 2006).
A análise de variância apresentou diferença significativa entre a variável cargo e o fator realização ((F) = 1,468, gl 2, p < 0,05). O teste (t) da variável cargo de chefia foi significativo para o fator realização (t = -3,574, gl 378, p < 0,001). Tais achados demonstram que as características do trabalho (segurança, autonomia, oportunidades de crescimento, relações sociais e jornada de trabalho) são fatores que influenciam na percepção de satisfação dos indivíduos (CORNELIBEN, 2006).
O teste (t) entre a variável afastamentos nos últimos 24 meses foi significativo para os fatores afeto positivo (t = 2,366, gl 369, p < 0,05) e afeto negativo (t = -1,966, gl 369, p = 0,05). As causas de afastamentos apresentaram correlação significativa em todos os fatores ((r) = -0,269, p < 0,001) para afeto positivo, ((r ) = 0,191, p < 0,01) para afeto negativo e ((r) = -0,134, p < 0,05) para realização. Esses achados demonstraram que os estados afetivos influenciaram a saúde dos indivíduos (WARR, 2007).
Discussão
O presente estudo teve por objetivos verificar a percepção de bem-estar no trabalho em servidores públicos e a fatorabilidade da Escala de Bem-Estar no Trabalho e sua adequação para a pesquisa. A análise fatorial identificou os 3 fatores que caracterizam a estrutura tridimensional do bem-estar (afeto positivo, afeto negativo e realização), que representam a estrutura) (DIENER, 1984).
Os participantes da pesquisa demonstraram níveis elevados de bem-estar, conforme observado nas médias dos fatores, principalmente nos fatores afeto positivo e realização. Os participantes sentem-se realizados por trabalhar na instituição pesquisada. Este fato se relaciona às boas condições de emprego, às excelentes condições laborais e salariais e, sobretudo, ao elo socioprofissional satisfatório. Tais aspectos caracterizam um trabalho de qualidade (CORNELIBEN, 2006).
Na análise fatorial, a variável tranquilo apresentou cargas tanto para o afeto positivo como para afeto negativo. Isto demonstra uma certa inconsistência da variável para a amostra pesquisada. Desse modo, seria interessante que o instrumento fosse aplicado em outros grupos, a fim de verificar o comportamento da variável. Por outro lado, poderíamos estabelecer duas hipóteses para esse fato, em que a primeira se refere à situação de que os participantes não compreenderam o item de modo satisfatório. A outra hipótese refere-se ao fato de que os participantes tentaram demonstrar que não se sentem exatamente tranquilos em seu local de trabalho.
Além do mais, a instituição pesquisada sofreu uma mudança significativa em sua organização do trabalho, caracterizada pela implantação do sistema eletrônico de registro de frequência e pelo aumento da jornada de trabalho semanal. Com isso, é provável que tenha ocorrido uma mudança na percepção da variável tranquilo demonstrada pelos indivíduos.
Em relação às variáveis sociodemográficas (gênero, idade, tempo de serviço, cargo, cargo de chefia, afastamentos ocorridos nos últimos 24 meses e causas dos afastamentos), refletiram o descrito na literatura. A relação entre bem-estar e gênero foi descrita na literatura como pouco significativa, uma vez que as diferenças observadas não seriam suficientemente robustas a ponto de justificar a influência do gênero em tal percepção (DIENER,1984).
As variáveis cargo e cargo de chefia demonstraram resultados significativos em suas análises estatísticas. Este fato demonstra que, de modo geral, os servidores percebem um sentimento de bem-estar proporcionado pelas características do serviço público, tais como estabilidade no emprego e os altos salário de modo em geral (LIMA, 2008).
Os ocupantes de cargo de chefia sentiram-se mais realizados que os demais. Esse aspecto pode estar relacionado a uma maior percepção de autonomia para a realização de suas tarefas, conferida pelo status do cargo. Além disso, o cargo de chefia representaria uma forma de reconhecimento institucional (CORNELIBEN, 2006). Uma vez que a valorização por meio de recompensa não é um valor característico de uma cultura de regras (QUINN; CAMERON, 1983), o fato de ocupar cargo de chefia atuaria como forma de recompensa e realização.
As relações significativas entre as ocorrências e as causas dos afastamentos nos remetem à importância dos fatores do bem-estar para a saúde dos indivíduos. Além disso, conforme Capellari (2014) argumenta, os dados de afastamentos por problemas de saúde podem contribuir para uma série de reflexões sobre os indivíduos e seu trabalho.
Esse aspecto é de fundamental importância, na medida em que os estados afetivos e emocionais são aspectos centrais que influenciam a relação entre comprometimento no trabalho, traços afetivos, atitudes e comportamentos no trabalho (WEISS; CROPANZANO, 1996). Ressalta-se, ainda, que o bem-estar é influenciado por diversos fatores, como idade (DIENER,1985) e traços de personalidade (DE NEVE; COOPER,1998).
Apesar de se sentirem realizados no trabalho, existem aspectos relacionados às vivências no trabalho que influenciam os afastamentos dos servidores. O serviço público possui um modo de gestão (altamente e racionalização burocrática) que exerce influência sobre o bem-estar no trabalho, uma vez que contribui para a diminuição da percepção de autonomia (NUNES; LINS, 2009).
O bem-estar no trabalho (DIENER, 2000) é um construto dinâmico e subjetivo que varia de um indivíduo para outro. Desse modo, as características do trabalho serão percebidas como positivas ou não, dependendo das experiências individuais e também das características de personalidade.
Conclusão
A esfera pública é responsável por 21,8% dos empregos formais no Brasil (OLIVEIRA, 2014) e caracteriza-se por uma diversidade de seguimentos profissionais. Portanto, estamos diante de uma fatia importante da cadeia produtiva, sendo crucial o conhecimento sobre a percepção de bem-estar no trabalho dessa categoria profissional.
Embora seja um construto subjetivo e individual (DIENER, 1999), o bem-estar no trabalho é percebido a partir de variáveis observadas, em que o contexto de trabalho apresenta-se como um lugar privilegiado de emoções e, fundamentalmente, de realização e de construção da felicidade pessoal (PASCHOAL; TAMAYO, 2008). Em consequência, a EBET revela-se instrumento capaz de revelar a percepção dos indivíduos sobre o seu bem-estar no trabalho.
Ser feliz é uma das mais antigas aspirações da vida humana, em que o trabalho possui papel fundamental para a percepção dessa felicidade. Por essa razão, a aplicação da EBET pode contribuir com as organizações, auxiliando na descoberta de novas formas de gestão, que reconheçam a importância do trabalho para o bem-estar dos indivíduos.
Referências
ALBUQUERQUE, A. S.; TROCCOLI, B. T. Desenvolvimento de uma escala de bem-estar subjetivo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 20, n. 2, p. 153-164, ago. 2004.
ARENDT. A condição humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense Universitária, 2007.
BRADBURN, N. M.; CAPLOVITZ, D. Reports on happiness: A pilot study of behavior related to mental health. American Journal of Sociology, v. 72, n. 3, nov., 1965.
BYRNE, B. M. Factor analyticmodels: Viewingthestructureofan assessment instrument from three perspectives. Journal of personality assessment, v. 85, n. 1, p. 17-32, 2005.
CORNELIBEN, T. Job characteristics as determinants of job satisfaction and labour mobility. Diskussions papieredes Fachbereichs Wirtschafts wissenschaften, Universität Hannover. 2006. (No. 334). Disponível em: https://ideas.repec.org/p/han/dpaper/dp-334.html. Acesso em: 28 maio 2019.
DANCEY, C. P.; REIDY, J. Estatística sem matemática para psicologia: usando SPSS para Windows. Porto Alegre: Artmed, 2006.
DE NEVE, K. M.; COOPER, H. The appy personality: a meta-analysis of 137 personality traits and subjective well-being. Psychological bulletin, v. 124, n. 2, p. 197, 1998.
DIENER, E. Subjective Well Being. Psychological Bulletin, v. 95, n. 3, p. 542-575, 1984.
DIENER, E.; LARSEN, R. J.; LEVINE, S.; EMMONS, R. A. Intensity and frequency: dimensions underlying positive and negative affect. Journal of personality and social psychology, v. 48, n. 5, p. 1253, 1985.
DIENER, E.; SUH, E.; LUCAS, R. E.; SMITH, H. L. Subjective well-being: Three decades of progress. Psychological Bulletin, v. 125, n. 2, p. 276-302, 1999.
DIENER, E.; LUCAS, R. E.; OISHI, S. Subjective well-being. In: HANDBOOK of positive psychology. Oxford: Oxford University, 2002. p. 63-73.
HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.
HORN, J. E.; TARIS, T. W.; SCHAUFELI, W. B.; SCHREURS, P. J. The structure of occupational well‐being: A study among Dutch teachers. Journal of occupational and Organizational Psychology, v. 77, n. 3, p. 365-375, 2004.
LEÓN, D. A. D. Análise fatorial confirmatória através dos softwares R e Mplus. Porto Alegre: UFRGS, 2011.
NYE JR, J. S. O paradoxo do poder americano. São Paulo: UnESP. 2002.
MORAES, K. N., et al. Fatores relacionados ao absenteísmo por doença em profissionais de enfermagem: uma revisão integrativa. Gestão e Saúde, v. 6, n. 1, p. 565, 2015.
NOTELAERS, G. et al. Exploring risk groups workplace bullying with categorical data. Industrial health, v. 49, n. 1, p. 73-88, 2011.
NUNES, L.N.V. Promoção do bem-estar subjetivo em idosos através da intergeracionalidade. Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade de Coimbra, Lisboa, 2009.
NUNES, A. V. D. L.; LINS, S. L. B. Servidores públicos federais: uma análise do prazer e sofrimento no trabalho. Revista Psicologia Organizações e Trabalho, v. 9, n. 1, p. 51-67, 2009.
OLIVEIRA, C. G. O servidor público brasileiro: uma tipologia da burocracia. Revista do Serviço Público, v. 58, n. 3, p. 269-302, 2014.
PASCHOAL, T.; TAMAYO, A. Construção e validação da escala de bem-estar no trabalho. Avaliação Psicológica, Porto Alegre, v.7, n.1, abr. 2008.
PASQUALI, L. Psicometria: teoria dos testes na psicologia e na educação. Petrópolis: Vozes, 2003.
PAZ, M. G. T. Bem-estar pessoal nas organizações: construção e validação de um instrumento de medida. Psicologia: Teoria e pesquisa, n. 26, p. 549-556, 2005.
PASCHOAL, T. Bem-estar no trabalho: relações com suporte organizacional, prioridades axiológicas e oportunidades de alcance de valores pessoais no trabalho. 2008. 180 f. Tese (Doutorado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações) – Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
QUINN, R. E.; CAMERON, K. Organization al lifecy clesandshifting criteria of effectiveness: Some preliminary evidence. Management science, v. 29, n. 1, p. 33-51, 1983.
RYAN, R. M.; DECI, E. L. On happiness and human potentials: A review of research on hedonic and eudaimonic well-being. Annual review of psychology, v. 52, n. 1, p. 141-166, 2001.
RYFF, C. D. Happiness is everything, or is it? Explorations on the meaning of psychological well-being. Journal of personality and social psychology, v. 57, n. 6, p. 1069, 1989.
SELIGMAN, M. E.; CSIKSZENTMIHALYI, M. Special issue on happiness, excellence, and optimal human functioning. American Psychologist, v. 55, n. 1, p. 5-183, 2000.
WARR, D. There goes the neighbourhood: the malign effects of stigma. Social City, v. 19, n. 3, p. 1-11. 2006.
WEISS, H. M.; CROPANZANO, R. Affective events theory: A theoretical discussion of the structure, causes and consequences of affective experiences at work. Research in organizational behavior, v. 18, p. 1-74, 1996.
Autor: Luciana Arder S. Medeiros
Fonte: https://www.ismabrasil.com.br/trabalho/81
Fonte da imagem de capa: https://br.freepik.com/vetores-gratis/executivos-de-planos-organicos-meditando-ilustracao_13297284.htm#fromView=search&page=1&position=1&uuid=d7cf8859-1a13-4450-b898-522ca3a32c65
Publicado por: Tiago Merlone